Acabo de ler “O que você é e o que você quer ser“, do psicanalista Adam Phillips. O livro questiona e desaloja, ao propôr reflexões que pouco fazemos, enquanto simplesmente seguimos nossas rotinas, construindo uma vida satisfatória, ou não. Num dado momento ele diz: “Qualquer ideal, qualquer mundo desejado, é uma forma de perguntar qual o tipo de mundo em que estamos vivendo que faz do mundo ideal uma solução (nossas utopias nos dizem mais sobre nossas vidas vividas e suas privações do que sobre nossas vidas sonhadas); ou, para abordar mais clinicamente a questão: qual teria de ser o sintoma para que esse mundo (ideal) fosse uma forma de cura?”
É claro que parei pra pensar na minha vida (real) e naquela não vivida, na qual há a tendência a fantasiar que existiria uma versão muito melhor e menos frustrada de mim (nós) mesma (os). Haveria algum lugar em que seríamos mais realizados e satisfeitos?
Será que carregamos um tanto do sonho de Ícaro, desejando voar tão alto que não percebemos a matéria perene de que são feitas nossas asas? Até que ponto estaríamos tão insatisfeitos de modo que nossas vidas não vividas sejam mais importantes que aquelas nas quais estamos inseridos?
Interpretamos nossas vidas não vividas com mais glamour do que ela jamais teria. Recordamos o que deixamos pra trás com uma nostalgia digna dos clássicos de cinema. Fantasiamos os destinos não alcançados ignorando os percalços e perdas inerentes a qualquer vida. Imaginamos nós mesmos naquele lugar distante de nossas vidas reais sempre tão satisfeitos e realizados como jamais conseguimos estar naquilo que construímos e vivenciamos diariamente. E finalmente nos refugiamos nesse mundinho de ilusão capaz de nos ludibriar e convencer de que somos maiores e melhores do que realmente somos. No fundo precisamos acreditar que em algum lugar (longe de nós mesmos), seríamos melhores, mais bem sucedidos, menos frustrados. Porque só assim a vida poderia ser mais suportável. Só assim a vida poderia ser mais prazerosa.
Porém, existirá prisão maior que viver de buscas? De sentir-se impelido a remar, remar, remar… sempre desejando, nunca alcançando? Jamais percebendo que chegou?
Construindo um mundo em que o que não foi vivido ganha mais destaque do que aquilo que é real, nos protegemos da satisfação, a qual pode ser tão perturbadora quanto a frustração. Sempre haverão defesas a nos proteger da satisfação. Viver de sonhos é uma delas. Mas o que estaria escondido por trás dessa incapacidade de se satisfazer?
De qualquer forma, existem os dois lados da moeda. Assim, também corremos o risco de abdicar demais do sonho por medo da frustração. E então, aquele que vive de ilusões e não as realiza (mas lamenta a vida que não viveu) sofreria do mesmo sintoma que aquele que evita sonhar e resiste, adaptando-se à custa de uma vida virtuosa, mas descuidada _ e afastada_ de si mesma.
Estaremos adaptados demais aos ambientes prejudiciais que criamos e mantemos para nos proteger da satisfação? Que tipo de vida criamos, ou estamos inseridos e o que elas podem dizer sobre nós mesmos?
O homem que trabalha num ambiente ruim, com uma chefia insuportável e continua seguindo para esse emprego todos os dias porque precisa sustentar a família, ou manter um padrão sócio econômico, ou por não enxergar outra perspectiva, estará nessas condições porque não há outra alternativa ou porque, no íntimo _ talvez inconsciente_ haveriam ganhos também? Assim, o trabalho ruim não seria o problema (real), e sim o álibi, o sintoma de uma vida negligenciada?
A mulher casada com um marido agressivo, que não se separa por causa dos filhos, estaria blefando consigo mesma e distanciando da única verdade, nem sempre fácil de enxergar_ a falta de coragem? Coragem de assumir a dificuldade de ser amorosa consigo mesma, de olhar para a própria vida com mais autonomia, de conduzir seus dias com mais segurança e doçura?
A pessoa que mente _ para si e para os outros_ e diz que faz isso porque na infância era punido por dizer a verdade, mais uma vez está mentindo. Nenhum adulto pode justificar suas ações por fatos que ocorreram na infância. O caráter se constrói na vida adulta, e a coragem de assumir nossos atos também. Somos os únicos responsáveis pelas vidas que vivemos e pelas que deixamos passar. Não nos cabe acusar nada nem ninguém por aquilo que não tivemos coragem de assumir ou mudar.
Mudar de emprego, separar da esposa (marido), atravessar o Canal da Mancha, pôr e tirar o silicone, preencher e esticar a pele, fazer um retiro na Índia, percorrer o caminho de Santiago, … Tudo isso só faz sentido se a mudança maior acontecer dentro. Caso contrário, vamos viver de sonhos e suspirar feito Amélie Poulain: “São tempos difíceis para os sonhadores…”
Pensando nisso, divaguei sobre meu ambiente de trabalho, meu casamento, a casa onde moro, a opção por um filho único, os cuidados que tenho com minha alimentação, atividade física e tratamentos médicos, minha vaidade, as escolhas que fiz e tenho feito, meus planos e projetos.
Dizer que tudo é exatamente do jeito que eu queria é mentira, e igualmente imperfeito. Não há satisfação sem conflito, nem desejo sem falta. Então a falta e a frustração são essenciais para uma vida satisfatória, e portanto perfeita. Desse modo, nossas vidas não vividas é que fazem nossa vida real ser prazerosa, pois em certo grau, a frustração nos dá direção. E por mais que seja nobre ser e estar grato, temos que agradecer a Deus por não termos tudo. Agradecer aos céus por ainda vivermos incompletos e carentes. Em maior ou menor grau, precisamos nos sentir frustrados para que ainda possamos seguir adiante.
Por muito tempo desejei um segundo filho, trabalhar trinta horas semanais ao invés das trinte e seis atuais, ser mais cuidadosa com minha saúde, me alimentar melhor, seguir uma atividade física com disciplina, morar em casa e não apartamento, ser emocionalmente mais leve, entre outras coisas. Meu emprego consome mais meu tempo do que eu gostaria, e o segundo filho não veio; mas tenho percebido que essas faltas não podem justificar o desfalque em todo o resto. Jamais poderia acusar a carga horária excessiva pelo meu desleixo com a saúde, ou a falta de tempo para me exercitar. Inconsciente, eu estacionava um por um dos meus desejos devido a não realização daqueles que eu julgava “principais”. Ledo engano. Ás vezes, um tapa no visual ou uma reforma no guarda roupa podem fazer tanto por nós quanto qualquer outro_ grande_ objetivo que possamos ter. Então dei a largada. Fiz meu check up, me inscrevi no pilates, marquei RPG semanal, passei a acordar mais cedo. A casa onde moro é um sonho realizado, e de vez em quando tomo um vinho sozinha, sentada no sofá e agradeço a Deus cada parede, cada acabamento, cada pedacinho do meu (nosso) plano concretizado. Vejo meu filho crescendo com saúde, já são oito anos, e penso que se o segundo filho não veio, essa foi minha história, não havia outra versão. Então tá faltando coisa na minha vida? Claro que tá, como na de todo mundo. Mas a gente tem que ir se reinventando todo dia. Tem coisa que a gente lamenta, mas não pode jogar a culpa noutra coisa ou pessoa além de nós mesmos. Em alguns casos, o que falta é serotonina, dopamina, reposição hormonal,esse tipo de coisa. Então faz parte de se reinventar procurar ajuda, ir ao médico, se tratar. O que não pode é chorar as horas, lamentar o tempo e acusar as paredes pela vida não vivida.
Existem sonhos e fugas. Saber diferenciá-los e buscá-los define quem somos realmente. No fundo o que precisamos é de coragem. Coragem para assumir o quão pequenos somos, e saber lidar com essa pequenez, essa falta, essa imperfeição. Sem culpar o tempo, a infância, a TPM, o chefe, o emprego, a esposa, o marido, os filhos. Você é responsável pelo lugar em que está. E muitas vezes não adianta mudar a paisagem, escalar muros, atravessar desertos, transpôr oceanos. O que se busca não está fora, mas dentro. Depende de você. Somente você.
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Me lembro de uma frase de Chesterton que dizia que “ é necessários ser forte o suficiente para exultar-se em meio à monotonia...” e ele falava sobre a rotina de nós, os homens comuns. Fico pensando que nada se constrói sem rotina e disciplina, e depois disso tudo, essa “coragem” para jogar tudo para o alto e trilhar por lugares mais profundos seria o que dá equilíbrio para uma vida com menos descontentamento.
Olá Ricardo! seu comentário me fez refletir um pouco mais...
Realmente, precisamos da rotina, pois faz parte dos dias conviver com a monotonia; do mesmo modo que arriscar pode trazer algum equilíbrio também! Abço!
Prezada Fabiola, você tem o mesmo nome da minha mãe, o que me parece uma grande coincidência Pq sempre acabo lendo teus textos com um sentimento de conselho.. embora eu ache Q vc deve ser mais jovem Q eu. Fabíola, queria te agradecer por se permitir compartilhar suas opiniões, ideias e insights. Sabia, eu sempre achei Q quando as pessoas escrevem com o coração, Deus de certa forma se usa delas para falar à os outros, os faz instrumento e acho Q você eh instrumento para falar a muitos de nós que lemos teu blog!
Obrigada e que Deus abençoe tua vida é tua família em 2015 e sempre.
Abs Bia
Querida Maria Beatriz: Puxa, que coincidência boa ter o nome de sua mãe! Obrigada pelo carinho e realmente escrevo com o coração, fico feliz de saber que toco outras pessoas! Que Deus abençoe sua vida e sua família também! Grande beijo, Fabíola