Outro dia, tentando a sorte numa dessas maquininhas de brindes que arrecadam fundos e decoram padarias, bancas de revistas e lanchonetes, meu menino torcia pelo Pikachu, figurinha simpática e dificílima de encontrar_ mesmo que a gente arrisque o porta niqueis inteiro. Duas moedas de um real depois, saímos da lanchonete com dois brinquedinhos comuns e uma cabecinha baixa, carregada de frustração.
Horas depois, encontramos meu sobrinho de três anos, saltitante com seu brinquedo mais recente: um Pikachu novinho em folha, amarelo reluzente, que acabara de conseguir logo em sua primeira tentativa, no mesmo caça niqueis que meu filho, momentos mais cedo, tentara em vão.
Nossos olhares se encontraram. E num silêncio carregado de palavras, ele desejou mais de um milhão de moedas para tentar a sorte novamente e eu, ardendo de vontade de abrir a carteira e entregar-lhe todo o saque da semana, talvez do mês, segurei a onda e simplesmente disse não. Ressoou feito o eco de um bumbo dentro de mim.
Nessa hora entendi que a pessoa mais frustrada ali era eu. Eu e meu desejo de esvaziar o cofre de bonequinhos até encontrar o bendito Picachu. Eu e minha agonia de deixar o filhote com os olhinhos marejados, eu e minhas faltas, eu e a garotinha de maria chiquinhas que vive no meu peito.
Enquanto andávamos em direção ao carro, outra história começou:
_ Mas mamãe, não é justo. Eu é que faço coleção desses bichinhos; ele nem liga pra isso e conseguiu. Ele nem sabe o valor do Picachu…
Me vi no discurso inconformado do menino ao meu lado. Porque no fundo, no fundo, o que ele estava sentindo _ e eu também _ era inveja. Uma inveja normal, comum e muito humana. E uma constatação de que a vida é mesmo injusta e não poupa ninguém, ponto final. Parece muito pra uma historinha tão pequena, mas se a gente permitir _ sem a tentação de querer camuflar a realidade_ quanto aprendizado é possível arrancar numa brincadeira de criança!
A gente começa a se conhecer de verdade quando tem filhos. E muitas pessoas mostram como realmente são quando se tornam pais e mães.
Porque há muita confusão por aí. E pode surgir o desejo inconfessável de dançar nossa dança na hora errada, atrapalhando a dança que nossos filhos têm para dançar quando chega a hora deles.
Todos têm sua parcela de alegria, frustração, dor, surpresa, descontentamento, tristeza ou sucesso. E não dá pra misturar as estações e querer recompensar a garotinha de pijama de ursinhos ou o guri de calças curtas que vive dentro de nós, através de nossos filhos
Queremos protegê-los, mas estamos protegendo quem? Desejamos recompensá-los_ a quem realmente? Somos autoritários, exigentes, tiranos… com quem? Sonhamos com a carreira profissional, a festa de quinze anos, o casamento…Oi?
Como meu menino veio a saber, a vida é boa, mas também frágil. E por mais que eu queira protegê-lo dessa fragilidade, ele vai descobrir, mais cedo ou mais tarde, que alguns passos dessa dança são só dele_ e de mais ninguém.
Se poupamos nossos filhos daquilo que é inerente à vida _ inadequação, frustração, arrependimento, tristeza_ como encontrarão, eles mesmos, recursos para dançarem até o fim? E principalmente, como enxergarão em nós e em todos os outros essa fragilidade que compõe tudo de que é feita a vida?
Como conseguirão perceber que na vida todos têm sua parcela de reviravoltas, arabescos, pliés, dévellopés… ou o que quer que sejam esses movimentos? Movimentos que nos abraçam, embalam e também desafiam.
Todos têm sua dança pra dançar. E por mais tentador que seja querer dançá-la com um par, ou vários, essa dança é só nossa. A capacidade de se conduzir e se virar conforme a música é adquirida com o passar do tempo, entendendo que nem todos os passos são possíveis, pois a vida_ ainda que seja nossa maior aventura_ é limitada.
Aceitar os limites e acatar as perdas, dores, turbulências e desistências com generosidade é avançar nessa coreografia cheia de erros e acertos, surpresas, desejos, alegrias e tropeços que compõem a existência.
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Eu não sei dançar tão devagar, pra te acompanhar...
Lindo!
Como deve ser difícil saber dar esse "passo ao lado" pra deixar nossos filhos encontrarem suas próprias danças, seus próprios tropeços e pares...
Ainda não cheguei nesse momento, mas diria que é uma das maiores dificuldades dos pais da modernidade...
Beijo!
É assim mesmo; difícil, porém certo: " educar é sabrer frustrar".
fico aflita aflita aflita de ver pessoas dançando algum passo q não sei, não consigo, e pior não sou briguenta para insistir.
As vezes eu quero demais mas eu nunca sei se eu mereço....
Lindo. E teu blog tá show! =))