Ontem, num auditório lotado de educadores e pais e mães de alunos, em sua maioria do ensino fundamental, assisti a uma palestra da ótima Rosely Sayão_ psicóloga, educadora, escritora e colunista da folha de SP.

 Fui com meu marido (o filhote ficou com a vovó), e sentados na terceira fila ouvimos sobre as novas famílias, erros e acertos inerentes à educação, internet, pais e mães tipo ” GPS e bússola”, entre outros assuntos e dicas.

 Como muitos pais, acompanho Rosely Sayão principalmente através de sua coluna na Folha Equilíbrio. Ali, é comum ler algo que acrescenta um ponto_ ou vários pontos_ àquilo que eu penso, e tento pôr em prática na educação do meu menino, hoje com sete anos.

 Com a palestra de ontem não foi diferente. Porque na realidade, ela falou de coisas que eu já sabia, mas só sabia dentro de mim, não fora. E de vez em quando a gente precisa de alguém que verbalize e nos faça ter consciência daquilo que precisa ser entendido ou feito. Como terapeuta, ela tem esse dom.

 E muito segura começou falando: Onde há afetividade, é mais difícil. E pensei que é isso mesmo. É nesse terreno afetivo, emocional e passional que a gente se perde, se envolve, faz os nossos pequenos terem tamanho de gigantes e deixamos de conduzir a vida da forma_ teoricamente_ correta. E nos assustamos demais com aquilo que é tão simples, e porque não dizer_ normal. Então ela vem e desmistifica esses monstros que construímos e afirma: O papel do adolescente é contestar, a criança até 6 anos faz birra mesmo e as crianças irão sempre insistir e transgredir.
Simples e normal.

 Quanto aos erros de educação, não somos infalíveis. É claro que erramos, e um dia esses erros podem ser apontados por eles no futuro _ do mesmo modo que fazemos com nossos pais, certo? Mas errar de acordo com nossas próprias convicções, e não com as convicções dos outros, é sempre mais seguro.

 Depois ela falou sobre as mudanças ocorridas na família, desde o final dos anos 50 até os dias de hoje. Apesar de toda evolução ocorrida na sociedade e no mundo, permanecemos com o desenho mental daquela família que talvez nem chegamos a conhecer. E percebi que lá em casa tem sido um pouco assim. Principalmente na hora de dormir. Porque coloquei na cabeça que meu filho tem que dormir antes das 21 hs. E sofro porque de uns tempos pra cá, isso nunca mais aconteceu. E ontem, nessa parte da palestra, me deu um click ao refletir que essa minha exigência é descabida.

Porque trabalhamos fora, nos desencontramos durante o dia, e o período da noite é o único momento em que podemos estar todos juntos, sem a exigência do relógio que cobra rotinas, cartão ponto, hora dos portões fecharem. E sem querer, eu estava inventando regras baseada na família dos anos 50, em que as crianças iam pra cama cedo, porque no outro dia a mãe estaria por perto, invariavelmente.

 Gostei muito quando ela falou sobre a modinha das festinhas infantis. Todas padronizadas em buffets que vendem o mesmo cardápio, a mesma estrutura alucinante de brinquedões, a mesma música, os mesmos monitores. E a gente acha que está socializando a criança quando a obriga convidar a turma toda para o aniversário, pois nenhum coleguinha pode se sentir “excluído”. E então ela diferencia o que é realmente socializar, que deve ser: ensinar a conviver. E se o excluído for seu filho, reconheça aí a oportunidade de permitir que ele aprenda que tem recursos para lidar com o sofrimento ( achei fantástico!).

 Finalizando, arrematou com uma comparação: Há os pais que funcionam como GPS e aqueles tipo bússola. Pais GPS guiam o filho ponto a ponto, e de tanto proteger, não permitem que ele experimente e conheça o caminho. São aqueles que se antecipam, adiantam a solução, não o ajudam a pensar e a agir. A consequência pode ser a formação de um adulto sem autonomia, despreparado e incapaz perante a vida. Já os pais tipo bússola, indicam o norte e permitem que o filho siga sua estrada, sua direção e tome suas próprias decisões. Permitem que os filhos enfrentem suas próprias batalhas e conheçam os percalços de uma vida nem sempre perfeita, mas real (bravo!).

 Enfim, saí de lá grata pela oportunidade de aprender um pouco mais e disposta a ser uma mãe bússola, cheia de coragem para guiar meu menino, ajudá-lo a enfrentar suas próprias batalhas mas nunca assumindo o lugar dele, responsabilizando-o por suas escolhas e dando-lhe a mão quando solicitada. Que Deus possa nos abençoar nessa jornada…
                                                                                                                                 
 Ficam aqui algumas dicas de livros e filmes citados durante a palestra:

_ “Criança é a alma do negócio”: Documentário que reflete sobre como a criança se tornou a
alma do negócio para a publicidade. No youtube: 

_ Livro: “Eu não gosto de você” : Sobre a relação_ por vezes conflituosa_ entre irmãos

_ Filme: “O senhor das moscas”: Retrata a regressão à selvageria de um grupo de crianças inglesas, presos em uma ilha deserta sem a supervisão de adultos, após a queda do avião que as trasportava para longe da guerra. Baseado no livro de William Golding, é um dos mais expressivos estudos da natureza humana, contendo importantes reflexões sobre a civilização e o seu papel na formação do ser humano.

 Finalizo aqui com o texto “Não sobrecarregar o filho na escola”, de Natália Ginzburg, que foi citado por Rosely Sayão e talvez ajude-nos a entender que a escola é a primeira “batalha” que nossos filhos precisam enfrentar sozinhos, sem a nossa ajuda. O texto é ótimo e merece ser lido e relido, pregado na porta da geladeira se for necessário.

“Não sobrecarregar os filhos na escola”

Autor: NATALIA GINZBURG

“Costumamos dar uma importância totalmente infudada ao rendimento escolar de nossos filhos. E isso se deve apenas ao respeito pela pequena virtude do êxito. Deveria nos bastar que eles não ficassem muito atrás dos outros, que não fossem reprovados nos exames; mas não nos contentamos com isso. Queremos deles o êxito, queremos que satisfaçam ao nosso orgulho.

Se vão mal na escola, ou simplesmente não tão bem como pretendemos, erguemos imediatamente entre eles e nós a barreira do descontentamento constante; adotamos com eles o tom de voz irritado e queixoso de quem lamenta uma ofensa. Então nossos filhos, enfastiados, se distanciam de nós.

Ou talvez os secundemos em seus protestos contra os professores que não os compreenderam, declaramos, em uníssono com eles, que são vítimas de uma injustiça. E todos os dias corrigimos os seus deveres, sentamo-nos a seu lado quando fazem os deveres, estudamos as lições com eles.

Na verdade a escola deveria ser desde o início, para um menino, a primeira batalha que ele tem de enfrentar sozinho, sem nós; desde o início deveria estar claro que esse é seu campo de batalha próprio, onde só poderíamos dar uma ajuda ocasional e irrisória.

E, se lá ele padecer injustiças e for incompreendido, será necessário deixá-lo entender que isso não tem nada de estranho, porque na vida devemos esperar ser constantemente incompreendidos e mal-entendidos: a única coisa que importa é nós mesmos não cometermos injustiças.

Compartilhamos os êxitos e fracassos de nossos filhos porque os amamos muito, mas do mesmo modo e em igual medida que eles compartilharão, à medida que forem crescendo, nossos êxitos e fracassos, nossas satisfações ou preocupações. É errado que eles tenham o dever para conosco de serem aplicados na escola e de dar nela o melhor de seu talento. Seu dever para conosco, já que lhes proporcionamos estudos, é apenas seguir adiante.

Se não querem dedicar o melhor de seu talento à escola, mas aplicá-lo em outra coisa que os apaixone, seja sua coleção de coleópteros ou o estudo da língua turca, isso é assunto deles e não temos nenhum direito de repreendê-los nem de nos mostrar ofendidos em nosso orgulho ou frustrados em nossa satisfação. Se no momento não parecem ter o desejo de dedicar o melhor de seu talento a coisa alguma e passam o dia na carteira mordendo o lápis, nem mesmo assim temos o direito de censurá-los muito: talvez o que nos esteja parecendo ócio sejam na realidade fantasias e reflexões que amanhã darão frutos. Se parecem desperdiçar o melhor de sua energia e de seu talento, afundados numa poltrona lendo romances estúpidos ou no campo jogando futebol freneticamente, também não podemos saber se de fato se trata de um desperdício de energia e de talento ou se também isso, amanhã, de algum modo que ignoramos, dará seus frutos. Porque as possibilidades do espírito são infinitas. Mas nós, pais, não nos podemos deixar tomar pelo pânico do fracasso. Nossos enfados devem ser como rajadas de vento ou temporal: violentos mas logo esquecidos; nada que possa escurecer a natureza de nossas relações com os filhos, turvando sua limpidez e sua paz. Estamos aqui para consolar nossos filhos quando um fracasso os entristece; estamos aqui para consolá-los quando um fracasso os mortifica. Também estamos aqui para baixar-lhes a fumaça quando um êxito os enche de soberba. Estamos aqui para reduzir a escola a seus limites humildes e estreitos; nada que possa hipotecar o futuro; uma simples oferta de ferramentas, entre as quais é possível escolher uma para desfrutar amanhã.”
(NATALIA GINZBURG, As pequenas virtudes)

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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