Domingo de manhã, durante a missa das crianças, vejo entrar na igreja um casal singular_ mãos dadas, idades beirando os quarenta, aliança no anular esquerdo, harmonia indescritível.

Passo a observá-los e noto que são especiais. Digo especiais no sentido do que se conhece como “normalidade”_ eles claramente fogem do padrão. Me distraio dos ritos e fico cada vez mais absorta no mundo deles _ “inconsciente”, “deficiente” e notadamente feliz.

Admirada, percebo como agem: cochicham ao pé do ouvido e riem, riem muito… com vontade, com o corpo, com a alma.
Dão-se as mãos e são cúmplices no olhar. Sequer disfarçam quando, no banco ao lado, senta-se um menino com defeito físico no braço. Olham, apontam, ficam surpresos. Por esse breve instante_ e só por esse instante_ mostram-se tristes, compassivos. Após essa brecha, voltam a sorrir, a bater palmas entusiasmados, quase se fundindo ao bando de crianças.

Cuidam um do outro, são gentis, amorosos e, principalmente: compartilham a mesma visão, a mesma alegria, a mesma fantasia.

A fantasia de que a vida é bela. Somente bela.

Fui para casa pensando neles e sentindo uma pontinha de inveja_ boa. Uma vontade de ser assim, de me proteger das dificuldades, das dores, dos problemas através da fantasia, da ilusão, do sonho.

Do mesmo jeito que as crianças fazem quando ainda acreditam em papai noel, coelhinho da páscoa e fada do dente. Semelhante àqueles meninos que acreditam que são heróis.

Aconteceu outro dia. Meu menino não conseguia pegar no sono e por isso saía da cama a cada 10 minutos. Eu já havia contado mais de vinte histórias, já tinha colocado o tercinho entre seus dedos, já tinha agradado e suplicado para que dormisse…e nada. De repente uma luzinha se acendeu: quando ele se levantou pela milésima vez, sugeri que vestisse de homem aranha. Fiz um discurso todo pomposo_ com meu marido me olhando incrédulo_ dizendo que ele conseguiria se defender dos E.Ts e “etecetera”… , e no fim (ufa!) funcionooooou!!!!

Lá foi ele, todo contente, dormir de macacão curto _ cheio de pose_ se achando poderoso. Dormiu.

De vez em quando é difícil sermos nós mesmos. Dá medo. Aterroriza feito noite escura.

Ao contrário do que dizia Sartre, o inferno não são os outros, e sim nós mesmos. E nos assumirmos_ naqueles momentos em que ser nós mesmos é aterrorizante_ pode ser tarefa impossível. Por isso precisamos das fantasias.

A fantasia é estruturante quando tudo o mais desmorona. E não há pecado em sair da realidade de vez em quando _ e só de vez em quando_ para vivermos como se fôssemos “super”, como se a vida fosse bela, como se tivéssemos a família perfeita, o emprego dos sonhos, os amigos ideais, a serenidade de um monge ou a histeria de um astro de rock. Não importa. O sonho tem o tamanho e o modelo que você quiser…

Sabemos que a vida é mais do que a foto de capa do facebook e que não há photoshop que conserte certas coisas, momentos e pessoas. Mesmo assim, como dizia o samba: “sonhar não custa nada…” e se iludir um pouquinho faz bem, resgata a criança que permanece conosco e que se divide em obrigações, dramas, dificuldades. Essa criança que precisa de alegria, prazer, ilusão.

Faça o teste: da próxima vez que sentir que a vida está dura demais, experimente agir como Guido, o personagem de “A vida é bela”.

Invente beleza, modifique comportamentos, iluda-se em frente ao espelho, reveja fotos de uma época feliz.

Saia de si mesmo e sorria.

Sorria como o casal que encontrei na igreja, como crianças que acreditam em heróis, como versões de si mesmo que de alguma forma lhe mostram que ainda é capaz de amar, de ser leve, de ser completo, de ser feliz…

 

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Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • só uma grande sensibilidade para colher do cotidiano, do normal, a beleza do humano. Vc tinha que pregar para as pessoas, fazer hoilias, contar histórias. vem morar na minha paróquia e a gente vai ter muito trabalho juntos. Deus te abençoe e guarde!

    Bjão! Vevê

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