A solidão de cada um

Vinícius de Moraes era um apaixonado compulsivo. Necessitava da paixão para sentir-se vivo, à flor da pele, completo. Porém, além das aparências, era bastante sozinho. Certa vez deu uma entrevista à Clarice Lispector falando desse sentimento.

Clarice : Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?

Vinícius: Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo de solidão.

Clarice: Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.

A gente entende o amor romântico de uma forma muito errada. Colecionamos frustrações porque fomos programados para acreditar numa fórmula de amor que não existe: o amor como solução de todas as nossas dúvidas e problemas; o amor como o encontro perfeito entre duas pessoas; o amor como a concretização da felicidade; o amor como doador daquilo que nos falta.

Quando nos apaixonamos, é assim que funciona. A sensação é que finalmente seremos felizes para sempre, como nos contos de fadas. O problema é que desconhecemos a verdade.

A verdade é que ninguém completa ninguém _ somos criaturas intrinsecamente solitárias.
E faz parte da nossa natureza jamais nos sentirmos completos. Isso sempre será fonte de angústia, estejamos acompanhados ou não.

Costumamos ser injustos com quem amamos cobrando o preenchimento de nossos vazios interiores, como se isso fosse possível. Não é.

O amor traz um trago, um afago, alento, cuidado, conforto, consolo… mas não garante o fim de nossas inquietações.

Quando buscamos nas coisas ou em alguém o fim de nossas precariedades, exigimos que essa pessoa _ coitada!_ seja para nós remédio, remendo e cura. Depositamos nela todas nossas esperanças e passada a euforia inicial, nos frustramos. Cobramos, controlamos, exigimos. Concluímos que a pessoa mudou, não nos satisfaz mais. Queremos nos sentir novamente nas nuvens, eufóricos, perdidamente apaixonados _ como um vício.

É que a solidão não vai embora. Ela permanece; e só é camuflada por instantes, por momentos de absoluta distração de nós mesmos.

Nos distraímos com um amor, um esporte, uma oração, nossos filhos, amigos, trabalho, prazeres. Mas quando acaba o expediente, as luzes se apagam e a música cessa, voltamos a ser só nós.

Nós, e aquilo do que somos feitos: bem e mal, dúvida e fé, prudência e impulsividade, saudade e intolerância, paixão e comodismo, sagrado e profano. Nossas solidões são compostas de nuances, nem sempre íntegras, nem sempre belas; simplesmente composições de nossa essência…

Schopenhauer, em “Aforismos para sabedoria de vida”, diz que é na solidão que revelamos e sentimos quem realmente somos. Assim diz ele: “na solidão o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é”.

Muitas vezes nos apegamos a um amor que não existe mais ou à uma dor antiga porque de certa forma essa dor nos completa também. São emoções que mantém nossa cabeça, corpo e coração preenchidos, ainda que de forma torta. Nos apegamos àquele sentimento e cuidamos para que não morra dentro de nós. Alimentamos o caso que não deu certo, a mágoa que já expirou, a lembrança com validade vencida.

Assim como Vinícius, temos sentimentos muito agudos de solidão. Podemos lidar com os nossos, colecionando romances como ele ou_ a exemplo de Clarice e da maioria das mulheres que conheço_ nos conectando com o que há de invisível e sagrado em nós…

“Que minha solidão me sirva de companhia, que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo”(Clarice Lispector)

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Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

7 COMENTÁRIOS

  1. Bem descrita a solidão. Verdade que nenhum ser humano veio para completar o outro. Ajuda, mas não preenche como um todo. Só há um ser que nos preenche e transborda por completo sem deixar lacunas, DEUS!

  2. Bela escrita, nota-se ótimas influências como a dos autores citados no texto. E o tema, meu favorito, tocou-me a alma. Outro detalhe que adorei é a foto da autora com o Mestre Yoda ao fundo <3 hahaha

  3. Bem esclarecedor esse texto mesmo,porque sempre imaginei que a solidão fosse a ausencia de alguem ou algo, com essa descrição doque é a solidão fica muito mais claro que ela é nada mais que você inteiramente , sem a necessidade de alguma de coisa para te destrair.

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